Bento 16, o papa emérito que liderou a Igreja Católica por oito anos, morreu neste sábado (31/12) aos 95 anos.
"É com pesar que informamos que o papa emérito faleceu hoje às 9h34 (hora local) no monastério Mater Ecclesiae", informou o Vaticano em nota. O funeral ocorrerá no dia 5 de janeiro e será presidido pelo papa Francisco.
A saúde frágil de Bento 16 fora citada como motivo de sua renúncia, quase uma década atrás, e nos últimos dias o papa Francisco havia pedido orações para seu antecessor.
Bento 16 pegou o mundo inteiro de surpresa em 2013. Em quase 600 anos, nenhum papa renunciara ao posto, que se confundia com o próprio indivíduo. O papado era um papel exercido pelo resto da vida.
Entretanto, não foi para Bento 16, o pontífice de número 265 desde que São Pedro esteve à frente dos primeiros fiéis cristãos e iniciou a série de quase 2 mil anos de líderes da Igreja Católica. Em 11 de fevereiro de 2013, aos 85 anos e falando em latim, o papa disse a cardeais em Roma que "suas forças, devido à idade avançada, não eram mais adequadas" para o papel. Bento 16 decidira deixar de ser papa ainda em vida, abandonando o posto no dia 28 daquele mês.
O último papa a renunciar fora Gregório 7º, no ano de 1415 - 598 anos antes da surpreendente decisão de Bento 16. Mais de um século antes, no auge da Idade Média, Celestino 5º abdicou em 1294, apenas cinco meses depois de assumir o trono.
Bento 16 disse que nunca tivera o desejo de se tornar papa e que, quando João Paulo 2º morreu, no mesmo ano de 2005, estava na verdade pensando em sua aposentadoria. No entanto, se ele ou qualquer um dos cardeais que o escolheram imaginaram um papado breve e de poucos acontecimentos, estavam errados. Bento 16 assumiu o comando da Igreja Católica quando começava uma das mais graves tempestades enfrentadas pela instituição em décadas: o escândalo sobre abusos sexuais por padres católicos.
A enxurrada de alegações, processos e relatórios oficiais sobre abusos de clérigos, que atingiu seu auge em 2009 e 2010, acabou sendo um dos temas mais marcantes do pontificado de Bento 16. As acusações mais danosas à Igreja indicavam que dioceses locais - ou mesmo o próprio Vaticano - foram cúmplices nas ações que encobriram muitos dos casos, prevaricando na obrigação de punir padres pedófilos e às vezes transferindo-os a novos postos, onde ele continuaram a praticar abusos sexuais.
Enquanto algumas figuras importantes do Vaticano reagiram à mídia ou alegaram haver algum tipo de conspiração contra a Igreja Católica, o papa insistiu que a instituição deveria aceitar sua responsabilidade, apontando diretamente para o "pecado dentro da Igreja".
Pouco antes de sua eleição em 2005, o cardeal Ratzenger lamentou: "Quanta sujeira existe na Igreja, até mesmo entre… o sacerdócio".
Como papa, Bento encontrou-se com vítimas, a quem ofereceu desculpas sem precedentes, deixou claro que bispos precisam informar sobre abusos e introduziu regras para acelerar a expulsão de padres abusadores.
Mas uma investigação alemã tornada pública em janeiro de 2022 acusou Bento 16 de ter sido omisso perante denúncias de abuso infantil quando ele ainda era arcebispo de Munique, entre 1977 e 1982.
Segundo o relatório publicado por um escritório de advocacia alemão, os padres acusados não foram punidos pela Igreja e foram mantidos em postos de sacerdócio.
Em carta escrita em resposta ao relatório, Bento 16 afirmou: "Tive grandes responsabilidades na Igreja Católica. Ainda maior é minha dor pelos abusos e erros que ocorreram nesses diferentes lugares durante o meu mandato".
Formação
Joseph Ratzinger nasceu numa família tradicional da região da Bavária, na Alemanha, em 1927. Seu pai, porém, trabalhava como policial. Oitavo alemão a se tornar papa, ele falava muitas línguas e tinha um gosto especial por Mozart e Beethoven.
Segundo relatos, ele admirou os trajes vermelhos do arcebispo de Munique, durante uma visita do religioso quando Ratzinger tinha apenas 5 anos, e levou essa sua paixão por vestimentas e decorações finas para o Vaticano. Como papa, ele reintroduziu chapéu e capas da vestimenta papal de séculos anteriores.
Aos 14 anos de idade, Ratzinger entrou para a Juventude de Hitler, como era obrigatório para qualquer jovem alemão daquela época. Durante a Segunda Guerra Mundial, seus estudos no seminário de Traunstein foram interrompidos quando ele foi convocado para se juntar a uma unidade antiaérea em Munique.
Ele abandonou o Exército alemão na fase final da guerra e foi brevemente mantido como prisioneiro de guerra pelas forças aliadas em 1945.
As visões conservadoras e tradicionais de Bento 16 foram intensificadas devido a suas experiências durante nos anos liberais da década de 1960. Ele deu aulas da Universidade de Bonn a partir de 1959 e em 1966 assumiu uma cadeira de teologia dogmática na Universidade de Tuebingen.
Ele, no entanto, ficou chocado com a prevalência do marxismo entre seus estudantes. Na sua opinião, a religião estava sendo subordinada a uma ideologia política que ele considerava "tirânica, brutal e cruel".
Mais tarde, ele seria um ativista de destaque contra a Teologia da Libertação, movimento que pressionava a Igreja a se envolver em causas sociais, o que para ele era algo próximo do marxismo. Essa posição teve como exemplo a punição dada pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1985, quando liderada por Ratzinger, ao frade franciscano brasileiro Leonardo Boff, um dos principais nomes da Teologia da Libertação no Brasil.
Humildade
Em 1969, Ratzinger mudou-se para a Universidade de Regensburg, na Bavária, e subiu na hierarquia até tornar-se reitor e vice-presidente. Ele foi nomeado arcebispo de Munique pelo papa Paulo 6º em 1977.
Ratzenger passou 24 anos como uma alta autoridade no Vaticano, chefiando a Congregação para a Doutrina da Fé - conhecida no passado como o Departamento Sagrado da Inquisição. A posição, que combinava com sua paixão pela doutrina católica, fez com que o cardeal ganhasse o apelido de "rottweiler de Deus".
Em sua função, ele tinha autoridade sobre uma série de casos de abusos sexuais por clérigos. Críticos dizem que Ratzenger não compreendeu a gravidade dos crimes envolvidos, permitindo que eles continuassem durante anos sem a devida atenção. Ele nunca forneceu sua própria versão dos acontecimentos. Seus apoiadores, no entanto, dizem que ele fez mais que qualquer outra pessoa contra os abusos.